Quarta-feira, 2 de Julho de 2008
Na semana passada, recebemos o grupo paraguaio Hara Teatro, dirigido por Wal Mayans e foi
um encontro delicioso, com resultados maravilhosos. Começando por conhecer pessoas que se dedicam a mesmos ideais e oferecem seu tempo, suas vidas jovens a esta quimera que chamamos teatro. O Wal já conhecia, na minha aventura de viver palco em Asunción, até
compartilhamos alguns intentos juntos, mais vim para o Brasil, antes mesmos de concretizar desejos, (jovem, tinha a presa como parceira; levei tempo para entender que alguns sonhos nos cobram a vida, para realizá-lo). Assim já sabia que esse homem baixinho e entroncado tinha uma longa estrada nas costas e isto lhe dava a leveza de uma pluma, quando preciso, e a habilidade de
um maestro, na hora de guiar-te no trabalho. Ele tem uma aparência rígida, mas na verdade é
p
aizão coruja, um ser humano com todas as letras.
No grupo, configurado, na sua maioria, por pessoas extremamente jovens, podemos perceber a disciplina, em um trabalho que exige muita precisão, mergulhados na técnica, explorando seus limites pessoais. São essas potências que desejamos ver com o tempo, mais maduros, e torço por isso. Ressalta o trabalho já mais apurado da Raquel, que, confesso, não tenho o gosto pelo estilo,
ou pela estética, porém, é maravilhoso vê-la no palco. Assim, também é reconhecível a delicadeza e a força do trabalho do Hilário, especialmente nas demonstrações que deram no dia seguinte.
O espetáculo Soria é a representação fiel de uma Asunción mergulhada na dicotomia de sua identidade, com influência indígena não totalmente assumida, de uma língua quase esquecida, mas, sempre permeada por seus mitos e estórias, e espelhada em ritos com valores contrapostos, de uma metrópole aldeia. È o discurso de uns corpos da cidade, fazendo falar seus ancestrais, misturados a Rok and rol, com banda ao vivo, interagindo com atores bailarinos. É um excelente lembrete dos textos transcritos por dedicados etnólogos como Píer Clastres, Leon Cadogan, Chase Sardi e Mito Sequera, onde os velhos Xamans previam o cataclismo de inversão de valores, instando a não transigir a seus mitos fundamentais, alicerçado na essência da alma, a palavra. O valor da palavra. É um espetáculo de impacto onde no final o público precisa ganhar fôlego, antes de explodir em aplauso.
O que me chamou a atenção, além de tudo isso, é o que, de alguma maneira, representou este fato, esta vinda a Curitiba, primeiro para quem assistiu e depois os comentários que ficaram ecoando. O Paraguai, nesta capital de estado, não é notícia. Sabe-se nada ou pouco sobre seu cotidiano. A visão que se tem não ultrapassa da bagunça de Cidade del Este, sinônimo de
contrabando, tráfico, ilegal, falsificado. Agregam-se, a isto, os resultados da pesquisa de corrupção, mundo afora, que coloca o Paraguai entre os mais corruptos do mundo. Não é raro encontrar alguém que se aventurou, passando a fronteira de carro e no mínimo suou frio nas mãos dos policiais de trânsito, sendo obrigado a pagar uma "una ayudita para la cerveza", mesmo estando completamente dentro da regra legal. Esse é o país que se vende e é assim que se vê.
Esse é o estigma que constrói o imaginário da população desta cidade.
Então, o espetáculo Soria nos acorda para um outro Paraguai, a descobrir. Convida-nos a conhecer um país que se reinventa, que tem uma produção simbólica, readequando sua própria identidade. Há uma população viva que quer se reinventar, apesar dos sessenta e tantos anos de governo de um só partido, mais da metade dentro de uma ditadura despiedada.
Após a partida do grupo Hara fica a quase certeza de que há de haver mais do que sabemos desses hermanos, além, de seus governantes irresponsáveis, além do aspecto apenas folclórico da suas "harpas e guaranias". Nada contra, mas essa é uma identidade construída num paraguai
agrícola, que hoje tem uma população majoritária urbana. Essa é a curiosidade instigante que nos
deixa esta experiência. Espero que não seja um ato fortuito, isolado e que de fato se construam políticas públicas para um dia, o Paraguai poder ser notícia nestas terras. E que seja pela sua humanidade vibrante e persistente e não pelos desvios que a obnubila. Fico torcendo para haver mais loucos como Wal Mayans, que emprestam sua alma para a tarefa de construir territórios simbólicos e ao final nos mostra quantas similaridades partilhamos, apesar da nossa diferença. Como ele diria: códigos universais.
por Blas Torres
por CIA DO ABRAÇÃO
Sábado, 28 de Junho de 2008
O primeiro impacto ao assistir o espetáculo Soria do grupo paraguaio Hara Teatro, dirigido por Wal Manyas é grande, a sensação é de estar diante de um “ESPETÁCULO”, impressiona pela força ritualística do tema tratado de forma verdadeira, de quem realmente sabe do que esta
falando; me refiro principalmente aos atores/dançarinos mais antigos do grupo como a Raquel e o Hilário e é claro ao Wal. Outro fator que impressiona é a precisão na execução dos atores e músicos, a troca de energia é viva e dinâmica, a música alimenta a dança que alimenta a música.
Num ponto não posso deixar de registrar certo desapontamento em relação à expectativa do que eu iria assistir. Quando ouço a explicação do Wal em relação ao seu teatro primigênio e a busca
da expressão individual de cada artista através do encontro consigo mesmo, da superação de seus medos e anseios, da negação da família, da pátria e da religião, eu esperava que o espetáculo não se utilizasse de técnicas conhecidas e formatadas como a dança – clássica e moderna e a acrobacia. Eu esperava, em termos de movimentação corporal, assistir a coreografias
absolutamente inusitadas, uma movimentação mais orgânica e pessoal, uma para cada ator. Acredito que desta forma, o envolvimento de cada ator com a obra seria maior, abrindo uma via comunicativa com a platéia ainda mais verdadeira, independente do entendimento racional que a palavra pode propor.
O encontro com o grupo Hara foi muito intenso, amoroso e divertido. Valeu muito à pena assistir a todas as apresentações realizadas em Curitiba, e dia após dia, me sentir cada vez mais fazendo parte do ritual mágico proposto no espetáculo. Espero encontrar todo o grupo em breve.
Fabiana Ferreira
por CIA DO ABRAÇÃO
Domingo, 29 de Junho de 2008
Impacto. É sem dúvida um espetáculo muito impactante, envolvente e visualmente muito bonito. Há muita energia em cena. Me senti muito próximo, quase que sendo chamado para dentro do palco. A história foi ficando mais clara ao longo dos três dias. A “primigenia” presente no resgate
cultural da língua, dos elementos, adereços é muito rica e importante para nos mostrar o quanto
estamos longe das nossas raízes e o quão necessário é termos consciência e nos aproximarmos dela para ampliar nossa visão de mundo, religião, história e cultura.
A delicadeza e a poesia dos movimentos me encantaram muito. Quando digo poesia, é a que está nos detalhes, como por exemplo, a coreografia com os facões, bela, perigosa e ao fundo o corpo do Felix se retalhando em movimentos de contorção e em seguida a derrota da personagem apresentada.
A sonoplastia ao vivo, trazia mais vivacidade à cena, deixando-a mais evidenciada e até mesmo
dando pouco tempo para o público sequer respirar. Muito bom. Acredito que com mais troca entre banda e atores, troca com a cena o espetáculo ganhará muito.
Quanto a iluminação, acredito e percebo que existe uma busca, uma pesquisa por parte do César,
de dar sensibilidade à luz do espetáculo.
Sinto-me presenteado com toda essa troca cultural, humana, esse intercâmbio e não posso deixar
de vislumbrar mais e mais encontros afim de potencializar nosso TEATRO, nossas VIDAS, nossa ARTE.
Val Salles
por CIA DO ABRAÇÃO